domingo, 30 de junho de 2013

A crise do "não me representa". #coxinhas

A crise de representatividade me parece um discurso unânime. Todos falam sobre a falta de diálogo da classe política com o eleitorado, de que a população não se sente representada e não participa ativamente da política brasileira. O discurso de quem afirma que as classes mais baixas jamais se sentiram representadas e que, para essas, se nunca houve representatividade, sequer pode haver crise, me parece ainda melhor.

Ainda há muito o que estudar sobre o fenômeno e, principalmente, muitos dados a serem colocados nessa equação, contudo, alguns fatos me parecem bem evidentes e são um alerta para nós, a elite letrada.

O primeiro deles é que ainda precisamos entender muito bem essa crise antes de nos atirarmos à reforma política. Se formos imediatistas podemos pagar bem caro.

Vejam que embora as opiniões sobre a crise do "não me representa" se dividam, uma coisa é óbvia, há uma parte do eleitorado que vem se sentindo muito bem representada e tem brigado por suas pautas, enquanto nós, da elite letrada, temos nos limitado a votar.

Enquanto nós, informados e abastados, dizíamos que "lá em Brasília só tem safado", havia um militante do PSTU apoiando uma manifestação como a do Passe Livre. Sim, por incrível que pareça, aquela gente de "discurso datado"ainda existe e eles continuam sacudindo as suas bandeiras.

Outra prova disso foi o embate entre Jean Willys, de um partido da esquerda "comunista" e defensor de uma causa "gay" e Marco Feliciano, político que representa os "crentes". Bolsonaro, que nas sessões mais polêmicas estava ao lado do pastor, também representa, de forma bem óbvia, uma outra fatia de nossa sociedade que embora guarde ressalvas religiosas à banda do Feliciano, soube aproveitar a oportunidade para difundir seu conservadorismo radical, um "nazista" para alguns de nós.

As sessões contavam sempre com a presença dos apoiadores e a brigalhada tornava a coisa enlouquecedora. O eleitorado de cada candidato acompanhava a coisa de perto, gritava. Enquanto isso, nós da elite letrada, nos limitávamos às frases de efeito do facebook, correspondendo à cultura do espetáculo.

Enquanto o pau quebrava, a elite letrada dizia que um "gay" partidário de "comunista", um "crente" e um "nazista" "não me representam".

Outros de nós, da elite letrada, sequer nos preocupávamos com a Presidência da Comissão, já que Comissão de Direitos Humanos é coisa de quem gosta de "vagabundo" e depois reclamávamos e pedíamos a retirada do sujeito que "não nos representa".

Enquanto esquecíamos do que é política, fora esses episódios divertidos, nos limitávamos a ir votar de quatro em quatro anos e acompanhávamos a roubalheira do mensalão, os "crentes", os "gays", os "comunistas" e os "nazistas", que "não nos representam", se faziam representar.

Culpamos nosso Governo. Culpamos nosso Governo e nossa oposição de direita. Culpamos nosso Governo, nossa oposição de direita e nossa oposição de esquerda. E somos a cara deles. Nos tornamos cada vez mais conservadores, cada vez mais consumistas, cada vez mais derrotistas, cada vez mais conformistas, cada vez mais imediatistas, cada vez mais preocupados (ou despreocupados) com esse jogo de comadre que nos levou a isso tudo e, logicamente, cada vez mais preocupados com nosso umbigo.

Gritamos contra os ladrões, contra o alto custo de vida e em momento algum questionamos esse capitalismo tecnocrático que ajudamos a construir, injusto até mesmo para quem se diz liberal.

Vimos inertes seguidas crises financeiras no mundo, manifestações populares dos mais variados tipos em países da Europa, alguns que considerávamos exemplos de desenvolvimento, outros, ao menos um lugar mais justo para viver e depois que a coisa ferve aqui, culpamos o governo, os políticos e esses sistema que "não nos representa".

Na verdade, acho que nos representa muito bem, pois esse sistema é fruto do Brasil que ajudamos a construir.

Ajudamos a construir um País conservador, que se modernizou em comodidades, mas não acompanhou essa evolução em índice de desenvolvimento humano e, agora, culpamos o sistema que "não nos representa". Correspondemos, sem titubear, a uma cultura que sempre colocou os interesses privados em primeiro lugar, mesmo que usemos o jeitinho, e agora culpamos os corruptos que "não nos representam" por terem feito exatamente isso.

Será que adianta atacar esse sistema? De que adianta a reforma política se continuarmos indo em direção à cultura do espetáculo e do discurso simplista? Não há sistema ou partido que represente uma elite letrada que não opina, toma partido. Que não analisa, julga. O caráter plural das manifestações expressa bem nossa cultura. Cada um leva o seu cartaz, cada um com seus problemas, mas a culpa é de "tudo isso que está aí". Cada um de nós quer uma coisa, mas a culpa é do governo que não dá nada pra ninguém.

Adianta a reforma política se nós, da elite letrada, continuarmos a ver a política como futebol? Adianta se nós, da elite letrada, ajudarmos a empobrecer o debate com nosso anti-comunismo, nosso anti-crentismo (e inclua vários outros anti-alguma coisa aí)?

Nosso sentimento de repulsa ou desprezo a quem quer que adote uma posição e por ela se manifeste vai tornar inócua qualquer reforma política que façamos. Enquanto acharmos que a adoção de uma posição política fere a etiqueta virtual, que temas polêmicos não são legais para o ambiente cibernético, que durante as eleições quem faz campanha política é chato, não há reforma.

Nossa tendência a desqualificar qualquer discurso que contenha um questionamento mínimo às nossas plutocracias e, pior, ligá-lo sempre a uma tendência política que, apesar de supostamente morta, não deixa de ser temida e odiada, antes mesmo de verificar minimamente seu conteúdo, jamais vai nos deixar tirar proveito de qualquer reforma política.

Nossa tendência a encarar qualquer norma, comando ou reforma estatal como algo ditatorial não vai nos deixar reformar coisa alguma. Nossa tendência a chamar de "nazista", autoritária ou censora qualquer forma de regulação não nos deixará "revolucionar" o Brasil.

Nossa visão errônea sobre "vagabundos", "corruptos", "vândalos" e "manifestantes" e, ainda, sobre as formas pelas quais se dá o uso de uma máquina estatal repressora para cada um desses estigmas, vai tornar qualquer reforma ilusória.

Não se iludam, nós da elite letrada não estamos nos tornando democráticos, estamos ficando cada vez mais sectários, graças à essa cultura imbecilóide de pílulas de informação e frases de efeito.

Por mais que pareça "comunista", anarquista talvez, afirmo que o discurso contra a sociedade de consumo nunca se tornou tão necessário. Urgente, até. Queremos uma reforma política porque não nos sentimos representados. Façamos a reforma, mas com muito cuidado e com todo o esforço para também resolver o problema daqueles que de fato, nunca foram representados. Se, após a tal reforma política, essa cultura centrista, altamente capitalista e cheia de consumismo, sempre cansada dos absurdos que "sofre" se sentir representada e as pessoas que realmente nunca foram representadas continuarem no mesmo estado, afirmo com toda a certeza que não teremos reformado muito.

Apesar das dimensões das manifestações e suas causas ainda penderem de muita análise, uma coisa me parece óbvia: um dos maiores culpados por isso somos nós brasileiros, letrados e informados, com nossa indignação preguiçosa.



Quer rir do problema? Clique: http://voltaadormirbrasil.tumblr.com/

Leia um ótimo texto sobre um dos heróis coxinhas: http://bertonesousa.wordpress.com/2013/10/25/quando-dois-extremistas-divergem/

sábado, 22 de junho de 2013

O vinagre e suas essências #política

Post meu publicado no Facebook sobre tudo o que está acontecendo no Brasil, após alguma troca de ideia (créditos após aprovação) incluí notas de revisão. Uma conclusão um tanto quanto apressada sobre o momento. Busquei todo tipo de informação em uma busca frenética por conhecimento, uma tentativa apressada de entender tudo o que acontecia e imaginar o máximo de possibilidades. Os dias foram uma montanha russa de emoções para muita gente, inclusive para mim, fui da euforia de ver um movimento popular histórico, para a tensão e pavor absoluto de um regime totalitário. Bipolaridade? Neurose? Vai saber, mas fiquei realmente preocupado.

Não sei se realmente aumentei a dimensão das coisas, se ainda estou aumentando, mas ainda sinto uma tensão. Dia tranquilo no Rio, mas as manifestações continuam, sabe-se lá com que gritos de ordem. Os que estão aqui na frente do Palácio Guanabara se resumem a chamar as pessoas pra rua e mandar o Sérgio Cabral fazer o de sempre. Eles parecem só um eco das poucas pessoas que ainda postam mensagens conclamando os fiéis à "revolução" do vinagre. A calmaria do sábado, mesmo que seja um alívio para mim, traz também aquele pensamento de que os verdadeiramente mal intencionados esperariam as pessoas baixarem a guarda para, rapidamente, fazer algo irreversível. Embora não acredite que isso possa acontecer, não acho que a hipótese seja tão remota que me faça parar de torcer para que nossas instituições democráticas se mantenham.

Esse pequeno texto, após o arrefecimento das sensações dúbias que ainda transitam pela minha alma, me parece um berro, mas não poderia ser outro a inaugurar este espaço. O nervosismo era tanto que resolvi escrever minhas conclusões, mais do que um berro, acho que foi um mantra.

Agradeço aos amigos que me estimularam a publicá-lo no facebook, o que me levou a fazer este blogue. Minha relutância vinha do medo de me transformar no que mais tenho pavor no mundo digital. Palpiteiros irresponsáveis. Espero que o bom senso que suspeito ter me impeça de postar algo assim.

Deixo o link para o texto que menciono por ser realmente fantástico, ótima leitura.


  • Vitor Cardoso
    Ótimo texto sobre tudo isso que está acontecendo, na verdade ela menciona várias das minhas preocupações sobre esses dias tão movimentados no Brasil. Pode ser até que vocês discordem de algumas colocações, mas é uma análise muito boa da coisa.
    Hoje a coisa virou um carnaval, temos o velho anti-partidarismo + nacionalismo dos discursos conservadores, mas ao menos o pessoal do Movimento Passe Livre conseguiu a revogação do aumento e quase todas as assinaturas para fazer uma CPI e quem sabe dar uma paulada nessa velha máfia e conseguir melhorias significativas a médio e longo prazo.
    Acho interessante também todo esse questionamento sobre a copa. Eu sempre fui contra isso e acho que os envolvidos devem pagar o preço (mesmo que seja apenas político) desse equívoco.
    Andei pensando muito sobre o assunto e, claro, tenho preocupações (sobre o encampamento burguês da manifestação, sobre a "aliança" com a grande mídia, sobre esse grito conservador, genérico e etc), mas, no final das contas, acho que podemos ter bons resultados. Quem sabe não estamos diante de um embrião de uma profunda modificação no nosso sistema tradicional de representação política?*1.
     A verdade é que seguimos a velha democracia capitalista européia e podemos trazer inovações que não sejam repetições de antigos fenômenos.*2
    O mundo muda e quem disse que o Brasil não pode ser um dos protagonistas de mudanças históricas na democracia?*3
    Podemos estar diante de um aumento significativo de formas de participação direta da população. Muito melhor um discurso direto inovador do que o diálogo de hoje, baseado em poder econômico. E o melhor disso tudo é que esse velho sentimento conservador, oligárquico não precisa desses novos canais, pois já tem voz.*4
    Eles gritam agora, porque sempre gritaram, mas vai ficar nisso aí, até porque, no fim, cá pra nós, que grandes vantagens podem obter esses fascistazinhos de facebook, todos moradores da zona sul, ou provenientes dela? Isenção de imposto no IPad?
    Os movimentos como o Passe Livre poderão ter uma imensa oportunidade de fazer valer sua mensagem, ou seja, no fim, tudo isso pode aumentar a voz dos excluídos, de quem realmente precisa de voz.
    Digamos, assim, que a coisa aconteça como os velhos derrotistas, normalmente reacionários, afirmam: "no Brasil dá tudo errado". O que terão perdido as pessoas que realmente precisam do que foi conseguido com esse barulho todo? Nada. Já não tinham nada e hoje conseguiram, ao menos, uma oportunidade de melhoria.
    Talvez tudo disso valha de nada, não tenha efeito direto nenhum a não ser a redução dos R$ 0,20? Só de pensar no imenso alívio de gente muito pobre eu fico feliz.
    Mesmo que fique nos R$ 0,20, o pessoal do Movimento não perdeu tempo. Ganhou visibilidade, experiência e poderá introduzir vários de seus membros na política, levando, por mais que as pessoas deturpem isso, a herança daquele Movimento pra política do País. Nesse ponto, me arrependo de ter "denunciado" os oportunistas da velha direita que pegaram ou tentaram pegar carona na manifestação. Por mais que realmente sejam oportunistas, realmente nunca fizeram nada para ajudar os engajados movimentos sociais que iniciaram a coisa toda, acabei fazendo coro a esse pessoal conservador que por ignorância ou malícia, passou a tratar como aproveitador todo e qualquer político ou partido.
    Quem sabe essa demonstração de mobilização não aumente as ambições e resultados de partidos que atualmente possuem reduzida representação? Na minha opinião, isso seria bom para a nossa democracia e esse, por si só, já seria um bom resultado.
    Fora do campo do "talvez", eu acho que tudo isso é um importante aviso aos grandes partidos. De fato há um vácuo na comunicação com a juventude, principalmente os estudantes.Tenho lido e visto muita coisa sobre o assunto e realmente concordo com as pessoas que afirmam que os grandes partidos perderam o diálogo com bases eleitorais importantes e talvez (perdão por voltar ao campo das probabilidades) esse show de ignorância política já seja conseqüência disso. Não entendo de política para afirmar isso.

    Notas de revisão:
    *1., *2  e *3.: Nesse meu questionamento, cabe uma nota de revisão: não sabia, mas já somos um dos países mais avançados do mundo em participação da população, que não o voto. Eu já conheço algumas, poucas, foi falta de informação minha e isso já é um assunto que pretendo abordar futuramente.
    *4: mantenho minha afirmação sobre as vantagens do poderio econômico no diálogo político.