segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A terra bárbara da Pensilvânia

Reprodução da capa do album Crime of the Century, Supertramp
Recentemente fui surpreendido por uma postagem na minha timeline feita por uma amigo virtual americano (*adoro a globalização e o intercâmbio de ideias que ultrapassem nossas fronteiras). Segundo a notícia, os policiais do Estado da Pensilvânia, graças a uma recente decisão judicial, não mais precisarão de mandado judicial para revistar o carro de alguém. O cara estava consternado e se dizia aviltado. 

Mais do que surpreendente, tal notícia é um tapa na cara daqueles que se utilizam dos Estados Unidos como exemplo de leis duras e de políticas policialescas enérgicas. O que dirão os americanófilos ao saber que tudo funcionava "perfeitamente" lá, mesmo diante da necessidade da polícia precisar de um mandado judicial para a revista de um veículo? Será que a Pensilvânia, antes dessa decisão, era uma terra bárbara, onde bandidos se escondiam por trás do excesso de garantismo? Ou será que, na verdade, a supressão de requisitos para abordagem policial não seja tão relevante para o controle da criminalidade?

Talvez essa notícia demonstre que, finalmente, o Estado da Pensilvânia está no rumo certo. No entanto, se estava no rumo errado ao exigir mandado judicial para revista de automóveis, me pergunto, por que a Pensilvânia, até hoje, não estrela os noticiários que enaltecem o barbarismo?

Será possível que os EUA tenham sido dominados pelos defensores de bandidos? Se for o caso, a notícia mostra que essa dominação se deu há muito tempo e que, talvez, existam defensores da marginalidade em todo o lugar do mundo, mesmo na meca da prosperidade mercadológica.

Para quem acredita no rigorismo americano como padrão, talvez o Estado da Pensilvânia seja apenas um hospício. Para os que demonstrarem curiosidade sobre o sistema legal americano a realidade será outra: por lá, não há padrão.

Curioso que no País onde os bandidos não tenham moleza, os residentes do Estado da Pensilvânia criem polêmica em torno de algo que aqui é mais do que corriqueiro: a revista policial de um carro.

Fui parado em blitz durante boa parte da minha vida. Agora que ostento rugas e cabelos brancos, fiquei com cara de gente de bem, pouco sofro com isso, mas durante todo esse tempo sempre encarei a revista com naturalidade, afinal, aquilo era um reflexo cotidiano do poder de polícia.

Fosse a proposta de obrigatoriedade a mandado prévio para revista de um veículo privado levada a uma das Casas do Povo por um político de esquerda, provavelmente os coxinhas gritariam contra essa esquerda maldita, que tem peninha de bandido, para, logo depois, louvar a seriedade americana.

Caso, por exemplo, se realizasse uma fiscalização intensa para se averiguar se a revista ao veículo foi verdadeiramente autorizada pelo seu proprietário, na certa iriam dizer que os esquerdopatas defensores de bandido querem dificultar o trabalho da polícia.

Mal sabem eles que esse tipo de fiscalização é realizado por meio de câmeras na maioria dos Estados americanos e há muito tempo.

Caberia, ainda, o velho argumento de que quem não deve não teme e que a tentativa de restringir a verificação de quem é bandido nos centros urbanos seria, logicamente, coisa de quem admira o "direito dos manos".

Por outro lado, a notícia expressa, ainda, o equívoco do discurso daqueles que simplesmente taxam a legislação americana de neofascismo. O estereótipo (seja de exemplo a ser seguido ou evitado, de forma incondicional) é descabido devido à alta autonomia dos Estados americanos em relação à sua legislação. Não é à toa que Colorado e Washington legalizaram a Cannabis e  a Califórnia está bem perto disso, enquanto outros Estados, de maior influência conservadora, não querem sequer discutir o assunto. Do outro lado da corrente, alguns Estados americanos ainda mantém normas arcaicas,  moralistas e algumas que, devido à sua distância da realidade cotidiana, são inexequíveis.

Por esse simples dado é possível que se avalie a dimensão da ignorância daqueles que, ao compararem as leis americanas e brasileiras, conservam em sua opinião a nossa forma de Federalismo, que, visivelmente, é muito distinta da do americano.

Não pretendo discutir aqui se deveríamos seguir o modelo americano ou não, seria leviano fazê-lo sem que fosse através de um trabalho acadêmico muito bem composto, que avaliasse causas e conseqüências e, ainda, as gritantes diferenças sociais e culturais dos dois países. O que pretendo expor é a diferença dos fatos para os discursos simplistas, tanto dos que acusam os EUA, de forma generalista, de ser uma nação de Leis excessivamente rigorosas, quanto aqueles que acham que é exatamente por isso que eles são "a maior nação do planeta".

Não acho descabidas as comparações entre as normas utilizadas pelo poder constituído de cada País, o que acho descabido é o simplismo que deixa escapar que nos EUA, enquanto um Estado corresponde ao discurso conservador, outros se opõem de forma sistemática a ele.

A Califórnia, novamente como exemplo, recentemente permitiu que imigrantes ilegais se candidatem ao cargo de policiais. Quando estive por lá, no ano passado, já notei essa tendência californiana de diálogo com os ilegais, ao ler em um jornal local que o Governador daquele Estado considerou como atentatória à liberdade individual o envio de dados para os serviços de imigração dos imigrantes ilegais que estivessem envolvidos em pequenos delitos.

De acordo com o Governador californiano, a simples expulsão, baseada em pequenos delitos, apenas estimularia a mera troca da mão de obra ilegal, no lugar de tentar inserir os ilegais no sistema previdenciário americano.

"Nossa economia depende dessa mão de obra e não podemos simplesmente utilizá-los como simples matéria prima humana. Temos que tirá-los da margem da sociedade americana." Concorde-se ou não com a afirmativa, com certeza o Governador da Califórnia demonstra que há diversidade de discurso, mesmo em um país onde, politicamente, a esquerda não teria vez.

Acho que compreender as diferenças normativas nos Estados americanos é não só um exercício de civismo, mas uma ótima forma de reflexão para soluções que aqui acabam sempre no telequete eleitoral estrelado pelo sectarismo.

Um país que muitos consideram como habitado por direitistas ou direitistas disfarçados que se dizem esquerdistas é um ótimo parâmetro de observação para a composição de diversidade ideológica, já que, como aqui e como em qualquer lugar do mundo, as tendências se opõem e se criticam. Talvez o caro leitor continue achando que a esquerda americana é direitista, contudo, notar as diferenças dos discursos antes de aplaudir ou vaiar é o primeiro passo para entrar na área cinza da política e entender que por mais que se tenha diferenças culturais ou políticas sempre teremos um lado para o qual direcionar nossa participação. Isso é uma ótima lembrança para as próximas eleições...


Se você ficou curioso sobre a notícia postada pelo meu amigo virtual americano, segue o link: http://thefreethoughtproject.com/pennsylvania-cops-longer-warrants-search-vehicles/

Eis um exeplo de leis americanas no mínimo curiosas: http://super.abril.com.br/cotidiano/leis-absurdas-442600.shtml

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